Continuo atuando como investidor ativo, fascinado pelo mercado, mas nesta etapa da minha vida também sou um educador, comprometido em transmitir o que aprendi sobre o funcionamento da realidade e os princípios que me ajudaram a lidar bem com ela. Com mais de 50 anos de experiência como investidor global macro e diversas lições extraídas da história, é natural que grande parte do que compartilho tenha esse foco.
Esta análise aborda:
É fundamental compreender a diferença entre patrimônio e dinheiro e o vínculo entre ambos, sobretudo: 1) como bolhas surgem quando o patrimônio financeiro ultrapassa significativamente a quantidade de dinheiro existente, e 2) como essas bolhas estouram diante da necessidade de dinheiro, obrigando a venda de ativos financeiros para obtê-lo.
Esse conceito básico sobre os mecanismos do mercado, apesar de simples, é pouco compreendido, mas foi decisivo para minha trajetória como investidor.
Os princípios-chave são:
Sobre o princípio de que “o patrimônio financeiro pode ser criado facilmente e não representa seu valor verdadeiro”: atualmente, se o fundador de uma startup vende ações da empresa por US$50 milhões e avalia a companhia em US$1 bilhão, ele é considerado bilionário. Isso ocorre porque a empresa é avaliada em US$1 bilhão, mesmo sem esse valor estar realmente disponível por trás do patrimônio. O mesmo vale para ações negociadas em bolsa: se alguns investidores compram poucas ações por determinado preço, todas as ações passam a valer esse preço, e assim se determina o valor de mercado da empresa. Claro, esses ativos podem não corresponder a essas avaliações, pois só têm valor real quando são vendidos.
Sobre o princípio de que “patrimônio financeiro só tem valor real quando convertido em dinheiro”: isso se dá porque apenas dinheiro pode ser gasto, enquanto o patrimônio, por si só, não é utilizável diretamente.
Quando há abundância de patrimônio em relação ao dinheiro e os detentores de patrimônio precisam vendê-lo para obter dinheiro, entra em ação o terceiro princípio: “converter patrimônio financeiro em dinheiro para gastar exige vendê-lo (ou receber seu rendimento), processo que geralmente transforma bolhas em colapsos.”
Compreendendo esses pontos, será possível entender como bolhas se formam e como se desfazem, o que é fundamental para antecipar e navegar por esses ciclos.
Vale ressaltar que, embora tanto dinheiro quanto crédito sirvam para comprar ativos financeiros, a) dinheiro é utilizado para liquidar transações, enquanto o crédito gera dívida, exigindo dinheiro futuro para quitação; e b) crédito é facilmente criado, enquanto dinheiro só pode ser emitido pelo banco central. Embora se suponha que dinheiro seja necessário para compras, isso não é totalmente verdadeiro, pois é possível adquirir ativos via crédito, gerando dívidas a serem pagas depois. É assim que, geralmente, as bolhas se formam.
Segue exemplo prático.
Historicamente, bolhas e colapsos seguem um padrão semelhante. Será utilizada como referência a bolha de 1927-29 e o colapso de 1929-33. Ao analisar mecanicamente como se desenvolveu a bolha do fim dos anos 1920, o colapso e a depressão de 1929-33, e o que o presidente Roosevelt fez para aliviar a crise em março de 1933, é possível perceber o funcionamento dos princípios mencionados.
De onde veio o dinheiro para financiar a compra de ações e impulsionar o mercado, criando a bolha? O senso comum sugere que, com oferta limitada de dinheiro e tudo sendo comprado com ele, cada compra deslocaria dinheiro de outro ativo, que cairia de preço, enquanto o ativo adquirido subiria. No entanto, o que predominava era o crédito — tanto naqueles anos quanto agora. O crédito pode ser criado sem lastro em dinheiro, servindo para comprar ações e outros ativos financeiros que formam a bolha. O mecanismo clássico envolve a criação e o empréstimo de crédito para aquisição de ações, gerando dívida. Quando a necessidade de dinheiro para pagar essa dívida supera o dinheiro gerado pelos ativos financeiros, os ativos financeiros precisam ser vendidos, os preços caem e a bolha se desfaz, transformando-se em colapso.
O princípio geral é:
Quando a compra de ativos financeiros depende de forte expansão do crédito e o volume de patrimônio cresce em relação ao dinheiro (resultando em muito mais patrimônio que dinheiro), surge a bolha; quando o patrimônio precisa ser vendido para se obter dinheiro, ocorre o colapso. No período de 1929-33, ações e outros ativos financeiros foram vendidos para pagar dívidas, revertendo a dinâmica da bolha. Quanto mais se tomava empréstimos para comprar ações, mais elas valorizavam e mais pessoas eram atraídas. Os compradores não precisavam vender outros ativos para comprar ações, pois faziam isso via crédito. Quanto mais isso ocorria, mais o crédito ficava restrito e os juros subiam, tanto pela forte demanda quanto pelo aperto monetário do Fed. Na hora de pagar a dívida, foi preciso vender ações para obter dinheiro, os preços caíram, ocorreram inadimplências e o crédito se retraiu, transformando a bolha em colapso auto-reforçado e, posteriormente, em depressão.
Para entender como essa dinâmica aliada a grandes disparidades de patrimônio pode estourar a bolha e causar um colapso com graves consequências sociais, políticas e financeiras, observe o gráfico abaixo, que ilustra o histórico e o cenário atual da diferença entre patrimônio e dinheiro, mostrando o valor total das ações em relação ao valor total do dinheiro.

Os dois gráficos seguintes mostram como essa métrica antecipa os retornos nominais e reais dos próximos 10 anos. As imagens falam por si.


Quando escuto análises sobre se uma ação ou o mercado está em bolha, baseadas na expectativa de lucro futuro suficiente para justificar os preços atuais, percebo que falta compreensão sobre a dinâmica das bolhas. Embora o retorno do investimento seja relevante no longo prazo, não é o principal fator para o estouro das bolhas. Bolhas não explodem porque investidores subitamente percebem a falta de receita ou lucros suficientes para justificar os preços. Afinal, saber se haverá retorno suficiente só será possível muito tempo depois. O princípio central é:
Bolhas estouram quando o fluxo de dinheiro para o ativo financeiro seca e os detentores de ações ou outros ativos financeiros precisam vendê-los para obter dinheiro — geralmente para pagar dívidas.
E o que acontece a seguir?
Após o estouro das bolhas, com insuficiência de dinheiro e crédito para atender às necessidades dos detentores de ativos financeiros, mercados e economia declinam, e os conflitos sociais e políticos internos tendem a aumentar. Isso se agrava quando há grandes disparidades de patrimônio, intensificando as diferenças e tensões entre ricos/direita e pobres/esquerda. No episódio de 1927-33, essa dinâmica culminou na Grande Depressão, gerando forte conflito interno, especialmente entre esses grupos, e na mudança de liderança política com a saída de Hoover e eleição de Roosevelt.
O estouro das bolhas e o declínio econômico levam a profundas mudanças políticas, grandes déficits e intensa monetização de dívidas. No ciclo de 1927-33, o declínio ocorreu entre 1929-32, seguido por mudanças políticas em 1932 e enormes déficits sob Roosevelt em 1933.
O banco central imprimiu dinheiro, desvalorizando a moeda (por exemplo, em relação ao ouro). Essa desvalorização aliviou a escassez de dinheiro, ajudando devedores sistêmicos a honrar dívidas, elevando preços de ativos financeiros e estimulando a economia. Líderes em momentos críticos costumam promover mudanças fiscais profundas, que não detalho aqui, mas esses períodos geralmente trazem grandes conflitos e redistribuição de patrimônio. Roosevelt, por exemplo, implementou políticas fiscais que transferiram patrimônio do topo para o restante — aumento da alíquota máxima do imposto de renda de 25% para 79%, elevação de impostos sobre heranças e doações e expansão de programas sociais. Também houve intensos conflitos internos e externos.
Esse ciclo clássico se repetiu ao longo da história, levando líderes e bancos centrais de diversos países a adotar medidas similares por décadas. Antes de 1913, os EUA não tinham banco central nem meios para imprimir dinheiro, então inadimplências bancárias e depressões deflacionárias eram comuns. Em ambos os cenários, detentores de títulos de dívida sofriam prejuízos e quem tinha ouro se beneficiava.
O caso de 1927-33 ilustra bem o ciclo de bolha e colapso, embora seja extremo. A mesma dinâmica levou Nixon e o Fed a repetir a estratégia em 1971 e está por trás de outros ciclos (Japão em 1989-90, bolha pontocom em 2000, etc.). Tais bolhas e colapsos costumam envolver investidores inexperientes, atraídos pela popularidade do mercado, que compram de forma alavancada, perdem dinheiro e se revoltam.
Esse padrão se repete há milênios, sempre que há excesso de demanda por dinheiro frente à oferta. O patrimônio é vendido, bolhas estouram, ocorrem inadimplências, emissão de moeda e consequências negativas econômicas, sociais e políticas. Esse desequilíbrio entre patrimônio financeiro e dinheiro, e a conversão de patrimônio financeiro (especialmente ativos de dívida) em dinheiro, gerou corridas bancárias em instituições privadas e bancos centrais. Tais corridas resultavam em inadimplências (especialmente antes do Federal Reserve) ou na criação de dinheiro e crédito pelo banco central para salvar instituições “grandes demais para quebrar”.
Portanto, considere:
Quando as promessas de entrega de dinheiro (ativos de dívida) superam em muito o dinheiro existente e há necessidade de vender ativos financeiros para obtê-lo, é preciso atenção ao risco de estouro de bolha e proteção adequada (evitar exposição significativa ao crédito e manter ouro em carteira). Se isso ocorrer em cenário de grandes disparidades de patrimônio, é necessário considerar potenciais mudanças políticas e patrimoniais profundas e buscar proteção contra elas.
O aumento de juros e o aperto de crédito são causas comuns de venda de ativos financeiros para obtenção de dinheiro, mas qualquer fator que gere demanda por dinheiro — como impostos sobre patrimônio — e obrigue venda de ativos financeiros pode desencadear essa dinâmica.
Um grande abismo entre patrimônio e dinheiro, ao lado de grande desigualdade de patrimônio, configura um conjunto de circunstâncias altamente arriscado.
(Caso não seja relevante a descrição da evolução dos anos 1920 até o presente, pode optar por não ler esta seção.)
Como já mencionado, a bolha dos anos 1920 levou ao colapso e à depressão de 1929-33, o que resultou na inadimplência do presidente Roosevelt, em 1933, sobre a promessa do governo dos EUA de entregar ouro ao preço acordado. O governo imprimiu muito dinheiro e o ouro valorizou cerca de 70%. Não será detalhado como a recuperação de 1933-38 levou ao aperto de 1938; como a recessão de 1938-39 criou os ingredientes econômicos e políticos que, somados à ascensão geopolítica de Alemanha e Japão contra Reino Unido e EUA, culminaram na Segunda Guerra Mundial; e como a dinâmica dos Grandes Ciclos nos levou de 1939 a 1945, período de ruptura das ordens monetárias, políticas e geopolíticas anteriores e criação de novas.
O ponto relevante é que esses eventos tornaram os EUA extremamente ricos (detendo dois terços do ouro global) e poderosos (metade do PIB mundial e liderança militar). Quando o novo sistema monetário foi definido em Bretton Woods, manteve-se a base ouro, com o dólar indexado ao ouro (permitindo que outros países trocassem dólares por ouro a US$35 por onça) e as moedas estrangeiras atreladas ao ouro. Entre 1944 e 1971, os EUA gastaram muito mais do que arrecadaram, emitiram dívida e venderam títulos de dívida, criando mais reivindicações sobre ouro do que realmente havia em reservas. Outros países começaram a trocar papel-moeda por ouro, tornando dinheiro e crédito escassos, e Nixon repetiu em 1971 o que Roosevelt fizera em 1933, desvalorizando o dinheiro fiduciário frente ao ouro, que disparou de preço. Desde então, observou-se: a) aumento acentuado da dívida governamental e dos custos de serviço em relação à arrecadação tributária (especialmente após a crise global de 2008 e desde 2020, com a crise da COVID); b) ampliação das disparidades de renda e patrimônio, gerando impasses políticos; e c) provável formação de bolha no mercado de ações, impulsionada por crédito, dívida e especulação em novas tecnologias.
O gráfico a seguir mostra a participação de renda dos 10% mais ricos em relação aos 90% restantes — hoje essa diferença está em níveis recordes.
Os Estados Unidos e governos de outros países democráticos e excessivamente endividados estão diante de um impasse: a) não podem ampliar dívidas como antes, b) não conseguem elevar impostos o suficiente, e c) não podem cortar gastos a ponto de evitar déficits e expansão do endividamento. Estão presos.
Explicando em detalhes:
Não conseguem captar empréstimos suficientes, pois não há demanda de mercado para suas dívidas. Já estão superendividados e os detentores de seus títulos de dívida têm excesso de exposição. Além disso, investidores internacionais (como China) temem riscos de conflitos que possam afetar o pagamento dos títulos de dívida, reduzem compras de títulos de dívida e migram recursos para ouro.
Não podem elevar impostos sobre os 1 a 10% mais ricos (detentores da maior parte do patrimônio) porque: a) essas pessoas podem mudar de país, levando consigo arrecadação; b) políticos perderiam apoio desse grupo, essencial para campanhas caras; ou c) causariam o estouro da bolha.
Também não podem reduzir benefícios e gastos de forma significativa, pois isso seria politicamente e moralmente inaceitável, especialmente porque afetaria de forma desproporcional os 60% menos favorecidos…
…portanto, permanecem presos.
Por isso, governos democráticos em países com grande endividamento, desigualdade de patrimônio e valores estão em situação delicada.
Nessas condições, e pelo funcionamento do sistema democrático, políticos prometem soluções rápidas, não entregam resultados, são substituídos por outros que também prometem e fracassam, e assim sucessivamente. Isso explica por que Reino Unido e França, com sistemas que permitem troca rápida de lideranças, tiveram quatro primeiros-ministros em cinco anos.
Ou seja, está ocorrendo o padrão clássico deste estágio do Grande Ciclo. Essa dinâmica é fundamental de entender e agora é evidente.
Enquanto isso, o boom do mercado de ações e do patrimônio está concentrado nas grandes empresas de inteligência artificial (“Sete Magníficas”, por exemplo) e em um grupo restrito de ultrarricos, com a inteligência artificial substituindo pessoas e ampliando os abismos entre patrimônio/dinheiro e entre os próprios indivíduos. Conforme observado historicamente, há probabilidade significativa de reação política e social que pode alterar substancialmente a distribuição de patrimônio ou provocar desordem social e política severa.
A análise a seguir considera como essa dinâmica, somada aos grandes abismos de patrimônio, vem criando dificuldades para a política monetária e pode resultar em impostos sobre patrimônio capazes de estourar a bolha e provocar colapso.

A comparação abaixo considera os 10% mais ricos em patrimônio e renda e os 60% menos favorecidos. Essa faixa inferior representa a maioria da população.
Em síntese:
Mais especificamente:
Nos EUA, os 10% dos lares mais ricos são altamente instruídos e produtivos, respondem por cerca de 50% da renda total, detêm dois terços do patrimônio, possuem 90% das ações e pagam dois terços dos impostos federais, com esses números crescendo rapidamente. Ou seja, estão prosperando e contribuindo fortemente.
Por outro lado, os 60% menos favorecidos têm baixo nível de escolaridade (60% dos americanos leem abaixo do sexto ano), produtividade econômica limitada, recebem 30% da renda, detêm apenas 5% do patrimônio, 5% das ações e pagam menos de 5% dos impostos federais. Suas perspectivas econômicas são estagnadas e enfrentam dificuldades financeiras.
Como consequência, há forte pressão para tributar e redistribuir patrimônio e dinheiro dos 10% mais ricos para os 60% menos favorecidos.
Embora nunca tenha havido imposto sobre patrimônio, agora há grande pressão para implementá-lo em âmbito estadual e federal. Por que tributar patrimônio agora? Porque é onde está o dinheiro — os mais ricos estão enriquecendo principalmente pela valorização de ativos financeiros não tributados, em vez de renda tributada.
Impostos sobre patrimônio enfrentam três grandes desafios:
Por essas razões, seria recomendável um imposto moderado (por exemplo, 5-10%) sobre ganhos de capital não realizados. Esse tema, contudo, exige análise específica em outro momento.
Em nota futura, o tema será detalhado. Por ora, os balanços das famílias nos EUA indicam cerca de US$150 trilhões em patrimônio bruto e menos de US$5 trilhões em dinheiro ou depósitos. Portanto, um imposto anual de 1-2% sobre patrimônio exigiria mais de US$1-2 trilhões em caixa por ano, enquanto o volume de dinheiro líquido não é muito maior que isso.
Uma medida assim estouraria a bolha e provocaria colapso. Evidentemente, impostos sobre patrimônio não atingiriam todos, mas os ricos. Não serão apresentados números adicionais neste momento. Basta dizer que tal imposto: 1) provocaria vendas forçadas de ações privadas e públicas, deprimindo avaliações; 2) aumentaria a demanda por crédito, elevando custos de empréstimos para os ricos e para o mercado; e 3) incentivaria a migração de riquezas para jurisdições mais favoráveis. Essas pressões se intensificam se o imposto incidir sobre ganhos não realizados ou ativos ilíquidos, como participações privadas, capital de risco ou grandes posições em ações públicas.





